sábado, 3 de abril de 2010

A Bênção, Teieiros e Teieiras

Teia 2010 Tambores Digitais
Nesta postagem está a transcrição da vivência de um Delegado de Ponto de Cultura - Marcos Pardim - na Teia 2010 Tambores Digitais, em Fortaleza/CE. O texto foi transcrito do Blog Caraminholas com a autorização de Pardim.

"Cheguei ontem, depois de uma semana, de Fortaleza. Participei da TEIA 2010 – Tambores Digitais, quarto Encontro Nacional dos Pontos de Cultura.

E dizer isso: participei de uma TEIA, implica em também dizer ser impossível passar ileso de uma experiência como essa. Aproximadamente quatro mil pessoas, vindas de todos os estados e do distrito federal, artistas, gestores de cultura, estrangeiros, etnias várias, cores e raças tantas, reunidos para culturalmente ver, ser visto, vice-versa ou ambos.


Em 2008, no exato momento similar a este, o de estar voltando de uma experiência destas, relatei aqui, simbolicamente, meu encontro com Mestre Miguel, lá de Juazeiro do Norte (ver arquivo, post de 17/11/08), como síntese de minha passagem por aquela TEIA, realizada em Brasília.


Desde o avião que me trouxe de volta, uma viagem de três horas e meia, fiquei pensando nisso: qual personagem ou que experiência poderia me servir de símbolo desta TEIA de Fortaleza. São tantos os personagens. São muitas, as experiências.


Mas, mais forte, um sentimento, que traduzido em palavras poderia assim ser expresso: a velha, cansativa, porém imperativa peleja diária nossa entre o encantar-se e o desencantar-se.


Quanto encantamento é possível extrair de um evento como esse, onde ideias & ideais e produção & fruição artística formam um poço infinito de encantos & deleites. Tanto quanto como o desencantar-se, muitas vezes quase determinante, sobretudo com posturas coletivas ou pessoais e/ou com estranhos rumos & caminhos que uma possibilidade aberta pode sinalizar ou indicar.


Pontos de Cultura fazem parte de uma ação, de um programa de política pública cultural, levado adiante pela Secretaria de Cidadania Cultural do MinC (Ministério da Cultura), que, a meu ver, se mostra uma chance ímpar para a sociedade civil demonstrar a sua força em empoderar-se de seus saberes e fazeres e se utilizar politicamente dela (dessa sua força), transformando a sua maneira servil e apequenada de se relacionar com o Estado.


Um recorte necessário: trouxe comigo um vasto material distribuído durante a semana de TEIA. Folheio-o. Deparo com um poema: “O que é mais real? / Meu vestido de sonho que me faz inteiro, onde vivo, / ou / as vestes que me impõem uma realidade estranha?” (TT Catalão, atualmente ocupando o cargo de Secretário de Cidadania Cultural, em substituição a Célio Turino, desincompatibilizado por pleitear uma vaga de deputado federal por SP nas próximas eleições).


Ladeado por uma belíssima foto - que mostra uma pessoa negra, em pé, de costas, cor perceptível somente pelo descoberto pé direito descalço, ou pela igualmente direita mão que se apóia em um cajado de madeira, trajando uma veste colorida, que lhe cobre quase todo o corpo, encimada por uma “peruca” azul, e que olha para uma parede de uma casa de taipa, parte pequena dela caiada em branco e fragilíssimo azul, entremeados por um varal recoberto de roupas penduradas - esse poema fecha o belíssimo livro Nem é Erudito Nem é Popular – Arte e Diversidade Cultural no Brasil, de Bené Fonteles.


Recorte feito, volto eu ao que dizia acima: é um desencantar-se ver essa mesma sociedade civil, sob minha ótica, desperdiçar uma oportunidade dessas, reproduzindo formas estatais de se representar e ver-se representada, criando modelos baseados em comissões estaduais e nacionais, cujos membros eleitos - representantes de Pontos de Cultura -, muitos deles, comportando-se tão melancolicamente iguais a qualquer um de nossos vários políticos, ocupantes de cargos públicos legitimados por um processo democrático desgastado e furiosamente capaz de tornar visíveis as nossas mais negativas potencialidades, aquelas dissociadas do afeto ou da alteridade.


Uma forma de Estado dentro do Estado. Um cansativo embate de poder. Em síntese: “uma veste que me impõe uma realidade estranha”.


Mas, de resto, “meu vestido de sonho” insiste em me fazer lembrar da acachapante mania que temos de continuar a nos encantarmos, imaginando que é possível, sim, os Pontos de Cultura espalhados por este país afora tomarmos o programa Cultura Viva em nossas mãos, propondo nós a gestão compartilhada ao Estado. De uma maneira tal que sejamos capazes de nos organizar não mais boçal e rigidamente hierárquicos, mas malemolentemente transversalizados, descentralizados, fora dos eixos, onde comissões, se existirem, terão de cumprir o papel de executores das demandas tiradas efetivamente do coletivo, e não baseando-se em decisões unilaterais, tomadas à portas fechadas, alheias ao que pensam, sentem, agem e querem os Pontos de Cultura.


Destaques, questões de ordem ou de encaminhamento, são termos distantes e fora do foco diário da imensa maioria dos que, por já serem, se tornaram Pontos de Cultura. Há de haver um outro jeito de nos relacionarmos, afinal de contas, porque encantar-se é um prumo infalível, uma TEIA é sempre uma TEIA e, não obstante poder ser dorida, é antes de mais nada e apesar de tudo, também e sempre, um imenso deleite.


Valeu, Fortaleza. Valeu, organizadores do evento. Valeu, ponteiros e ponteiras.


Boa sorte Célio Turino. Boa sorte, TT Catalão. Que nossos vestidos de sonho nos façam mesmo inteiros, ainda que muitas vezes cansados & causados do eterno embate de encantar-se e desencantar-se.


A TEIA teve lindezas inesquecíveis."


Por Marcos Pardim
• Postado originalmente no Blog Caraminholas em 02/04/2010 - 19h23.

Arlindo G. Nicolau - Artista Plástico, Designer Gráfico, Webdesigner e Educador. Estudou Artes Plásticas e Pedagogia na Unicamp. Colabora com o Espaço Cultural Barros Junior e com o Fórum Permanente de Cultura de Salto/SP.